Por Tiago Valente

Se as duplas Taylor Swift e Katy Perry, Android e iOS, Pepsi e Coca-Cola, biscoito e bolacha ativam alguma memória sua e causam uma súbita e incontrolável vontade de se posicionar e defender um dos dois lados, então você provavelmente presenciou alguns dos mais recentes e famosos casos de rivalidade da cultura popular dos últimos anos.

Para além da indústria do entretenimento, esse confronto entre duas pessoas, duas comunidades ou duas ideologias é capaz de dividir opiniões, mover torcidas e originar fofocas das mais edificantes, sendo um tema frequente também no meio literário, presente nas mais diversas narrativas, nas relações entre personagens e, inclusive, nas experiências pessoais dos próprios escritores. Reuni, aqui, alguns dos casos mais interessantes de rivalidade na literatura.

Dois dos principais autores da literatura hispânica e responsáveis pela sua propagação pelo mundo, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa compõem um caso de rivalidade na literatura que ultrapassa o universo ficcional. A relação, que se iniciou como uma famosa amizade, teve seu fim marcado por um soco e um olho roxo. Ainda que ambos não tenham explicado o motivo pelo qual o autor peruano tenha atingido Márquez antes de uma sessão de cinema, acredita-se que uma crise no casamento de Mario Vargas com Patricia Llosa e uma possível traição estejam entre as razões para a agressão.

Além de estremecer a relação entre dois amigos, certas rivalidades ainda alcançam proporções maiores, sendo capazes de mobilizar um país inteiro. No Brasil, a disputa entre torcidas de times de futebol não só reúne multidões nos estádios como serviu de inspiração para diversas das crônicas de Nelson Rodrigues, autor conhecido pela sua habilidade de capturar momentos e construir retratos do cotidiano brasileiro com suas palavras. Rodrigues não só fazia questão de enaltecer sua paixão pelo Fluminense como foi um dos responsáveis por consolidar e popularizar o confronto entre o tricolor e o Flamengo, um caso de rivalidade que ganhou até nome: “Fla-Flu”!

Essa mistura entre paixão e competição também funcionou como fio condutor para um clássico da literatura francesa. Na obra de Gaston Leroux, a cantora Christine Daaé desperta o interesse do visconde de Chagny, Raoul, e de Erik, homem que se abriga nos calabouços da Ópera de Paris, conhecido como “O Fantasma da Ópera”. A competição entre os dois pelo amor da soprano coloca em risco a vida de todos os funcionários da Ópera e já foi adaptada diversas vezes para o cinema, além de ter ganhado os palcos da Broadway com o musical homônimo de Andrew Lloyd Webber. O interesse pela rivalidade entre Raoul e o Fantasma ainda levou o compositor a produzir uma sequência e um novo desfecho para essa disputa, no musical intitulado “Love Never Dies”.

Outros embates — além dos sentimentais — que já foram temas de grandes obras literárias são os conflitos entre diferentes ideais sociais e políticos. É o caso dos romances mais conhecidos do escritor inglês George Orwell, que parte de alegorias para compor suas narrativas e caracterizar dois grupos opostos da sociedade. Em “A Revolução dos Bichos”, de 1945, acompanhamos a movimentação de um grupo de animais liderados pelo porco Napoleão, que decide se rebelar contra o Sr. Jones. O homem, que até então comandava a fazenda, se vê expulso de sua propriedade após ser atacado pelos animais que criava. Assim, George Orwell utiliza a oposição entre animais e humanos para expor algumas de suas críticas ao totalitarismo e, principalmente, ao stalinismo.

Já em “1984”, publicado em 1949 e também escrito pelo autor, Orwell retrata uma sociedade controlada pelo “Grande Irmão”, o líder do Partido. O ditador observa a todos do estado da Oceânia através de “teletelas”, uma espécie de câmera espalhada por todo lugar. Winston Smith, protagonista dessa história, após muitos anos trabalhando no Ministério da Verdade reescrevendo registros históricos, se apaixona por Julia, uma das funcionárias do Departamento da Ficção. Entretanto, os envolvimentos afetivos e amorosos estão entre os crimes mais graves da Oceânia, e, por conta disso, seus encontros são sempre sigilosos e permeados pelo medo e pela hesitação. Certo dia, ambos são convidados para integrar um grupo secreto que pretende iniciar uma rebelião contra o Partido, mas descobrem que identificar seus aliados e inimigos nesse embate contra o Grande Irmão não é tão simples quanto parece.

Como você já deve ter imaginado, a obra de Orwell serviu de inspiração para o famoso reality show que ano após ano aflora a rivalidade nos brasileiros, levando-os a escolher semanalmente um dos participantes para deixar o confinamento e a competição por um prêmio milionário. Em 2020, o “paredão” entre Manu Gavassi e Felipe Prior polarizou o país e entrou para o Guinness World Records, ao contabilizar mais de um bilhão e meio de votos de espectadores que dedicaram horas para defender seu participante favorito e, principalmente, ver seu adversário sendo eliminado.

Assim como na literatura clássica, a rivalidade também é utilizada como ingrediente principal em narrativas de diversos romances contemporâneos. É o caso de “Ex/Mulher”, de Tess Stimson, livro que será lançado pela Trama no final de Julho de 2021. Nessa história, Louise não consegue superar seu divórcio com Andrew, situação que fica ainda mais complicada pelo fato de ele insistir em se manter próximo à ex-esposa, ainda que ele já esteja construindo uma nova família. Então, Louise decide investigar a fundo o passado de Caz, atual mulher de Andrew, que é muito mais jovem do que ela. Porém, em meio à festa de bodas de ouro dos pais de Louise, ele é encontrado morto. Tanto sua ex quanto sua atual esposa estavam próximas a ele no momento do crime e, agora, elas são as principais suspeitas.

Os capítulos alternam entre os pontos de vista das personagens e os interrogatórios policiais, explorando a complexidade dos relacionamentos, das emoções e dos sentimentos dos personagens criados por Tess. Como a própria autora afirmou nessa entrevista para a Trama, o que podemos esperar de seu mais recente lançamento são diversas reviravoltas e revelações inesperadas, numa história inspirada em uma experiência pessoal de quando Tess se divorciou de seu primeiro marido.

Nas obras e acontecimentos que reuni para vocês fica claro que a rivalidade não se limita a uma simples competição ou discussão: ela traz à tona certa necessidade de reafirmarmos nossas certezas e opiniões, numa proporcional depreciação de nosso oponente. As consequências desse embate fervoroso vão de socos na cara a assassinatos, mas, nos melhores dos casos, geram histórias que nos entretém, originam conversas e debates, nos levam a optar por um dos lados da disputa e a não desgrudar os olhos das telas, das páginas e dos personagens que habitam as narrativas fictícias e do mundo real.